A melatonina é um hormônio produzido pela glândula PINEAL a partir do triptofano e derivada da serotonina. É produzida na vigência de estimulação noradrenérgica simpática, e diferentemente dos hormônios dependentes do eixo hipotálamo-hipofisário, a sua produção não está sujeita a mecanismos de retroalimentação e a sua concentração plasmática não regula sua própria produção, a qual é regulada estritamente pelo ritmo circadiano que obedece ao ciclo de iluminação ambiental do dia e da noite.
Em qualquer espécie considerada, o pico de produção se dá durante a noite. Essa característica de produção atribui à melatonina um papel extremamente importante que é o de ser essencial no processo de sincronização circadiana do organismo, em particular, do sono e vigília e do metabolismo energético. Outra característica importante do sistema funcional neural que regula a síntese de melatonina é que a luz presente no meio ambiente à noite pode bloquear até completamente a síntese de melatonina pineal, dependendo de sua intensidade e comprimento de onda.
A melatonina, além de ações diretas sobre os radicais livres de oxigênio e nitrogênio, age também, através de seus receptores específicos. Há três tipos de receptores de membrana, responsáveis por aumentar a concentração intracelular de cálcio e atividade da PKC. Esses receptores de alta afinidade estão distribuídos por todo o organismo desde o sistema nervoso central, onde está presente em muitas estruturas, até a periferia do organismo, sendo encontrados em muitos órgãos e tecidos. Alguns dos efeitos atribuídos a essa interação são a regulação da expressão da enzima lipo-oxigenase, da expressão das enzimas antioxidantes, da síntese de interleucina 2 e seu receptor, além da regulação da síntese do receptor de estrógeno do tipo E2α.
A melatonina tem seu uso estabelecido na clínica médica no tratamento de alguns distúrbios do sono, como a insônia por fase retardada, ciclo vigília-sono com períodos diferentes de 24h, latência prolongada para o sono, fragmentação do sono, distúrbios comportamentais do sono REM, correções do sono do idoso, dessincronização entre o ciclo vigília-sono e o dia e a noite, como observado com frequência em alguns tipos de cegueira (pré-quiasmáticas).
Além disso, como é importante regulador do ciclo vigília-sono, e também por ser um agente antioxidante, anti-amiloidogênico, neurotrófico e neuroplástico, é usado como um coadjuvante terapêutico em doenças neurológicas e degenerativas que resultam em distúrbios do sono e dos ritmos biológicos circadianos, como no autismo, na síndrome de déficit de atenção e hiperatividade, síndrome de Smith-Magenis, etc, sendo vista como um poderoso cronobiótico, isto é, um agente capaz de sincronizar circadianamente muitas funções do organismo. Por isso, tem também sido usada na correção dos distúrbios causados pelo “jet-lag”.
As pesquisas sobre o papel fisiológico da melatonina tem avançado enormemente e o seu uso e de seus análogos tem se expandido, e têm sido usados experimentalmente no tratamento de enxaqueca, distúrbios depressivos e anestesia e como coadjuvante no tratamento anti-tumoral e/ ou anti-metastático, e como um poderoso agente limitador das lesões pós-isquêmicas associadamente à hipotermia no caso da hipóxia e isquemia perinatais, na displasia broncopulmonar do prematuro, AVC), e em doenças metabólicas, síndrome do ovário policístico, etc.
Na síndrome dos ovários policísticos em estudos nos últimos 20 anos, existem evidências experimentais e algumas evidências clínicas, que demonstram o papel importante da melatonina na regulação do metabolismo energético. Os estudos demonstram que animais ou indivíduos que apresentam ausência ou redução da produção de melatonina, desenvolvem resistência insulínica, intolerância à glicose, distúrbios na secreção de insulina, dislipidemia, distúrbios do balanço energético e obesidade. Além disso, a habitual distribuição diária do metabolismo associada ao ciclo vigília-sono e ao ciclo de ingestão alimentar-jejum desaparece completamente. O ciclo metabólico diário normal, caracterizado por duas fases:1- durante o dia, há um aumento temporário da sensibilidade a insulina e aumenta a sua secreção estimulada pela glicose fornecida pela alimentação; e 2- por outro lado, a resistência a insulina, principalmente hepática, com neoglicogênese no período de sono e repouso desaparece completamente, caracterizando um quadro onde há uma perturbação da ritmicidade circadiana, chamado de cronorruptura. Dessa forma, a ausência ou redução na produção de melatonina provoca distúrbios metabólicos e distúrbios rítmicos circadianos que acabam intensificando uns aos outros, e culminando em uma das consequências imediatas desse círculo vicioso que é a ocorrência da obesidade.
Além disso, a melatonina atua diretamente na regulação do balanço energético e toda a energia ingerida através da alimentação é utilizada ou armazenada nos estoques de energia para uso futuro. Por esse mecanismo, ela também regula o peso corpóreo. Há evidências experimentais sólidas mostrando que a melatonina age regulando cada uma das etapas do balanço energético: a ingestão alimentar, o fluxo de energia e o dispêndio energético. A melatonina é um hormônio que, principalmente por ação central, regula a ingestão alimentar reduzindo-a, ainda que ligeiramente; regula a produção e secreção de insulina, glucagon e cortisol, organizando, assim, o fluxo das reservas energéticas para e dos estoques; e, mais importantemente, aumenta o dispêndio energético, aumentando a massa e a atividade do tecido adiposo marrom e aumentando o escurecimento (browning) do tecido adiposo branco. Pode, portanto, ser visto como mais um fator hormonal anti-obesogênico.
Indicações do uso da melatonina:
1-Distúrbios do sono:
– insônia em idosos, cuja produção de melatonina é cerca de 75% menor do que em jovens; insônia por retardo de fase, latência prolongada do sono, distúrbios comportamentais do sono REM, e distúrbios do sono em que a produção de melatonina é reduzida (excesso de luz noturna ou uso de beta-bloqueadores);
2- Distúrbios do ritmo circadiano (transtornos de adiantamento ou atraso de fase; jet lag, cegueiras pré-quiasmática).
3- Doenças neurológicas que cursam com distúrbio do sono, como espectro do autismo, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, síndrome de Smith-Magenis.
4-Possíveis benefícios da melatonina: Existem evidências iniciais de benefício do uso da melatonina em alguns casos de:
– Enxaqueca (já existem alguns ensaios clínicos randomizados publicados)
– Depressão (seu análogo, agomelatina, é aprovado com esta indicação, inclusive no Brasil)
– Uso pós lesões isquêmicas (hipóxia e isquemia perinatais – usada associada à hipotermia; na displasia bronco pulmonar do prematuro e como agente protetor contra radiações)
O uso de melatonina deve ter indicação e acompanhamento médico. À luz do conhecimento atual, não existem evidências que suportem o uso da melatonina em seres humanos com ação antitumoral, antioxidante ou antienvelhecimento.
Dra. Maria Lucia Coelho Nóbrega
Fonte: SBEM- Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia